12 de janeiro de 2014

Memorial do Convento

1. - MC apresenta uma diferença entre a representação da história visível (presente nos manuais da disciplina de História) e a desconstrução da mesma, evidenciando uma profunda reinterpretação e reflexão sobre a sociedade, forçando a necessidade de inquirição do aluno sobre um outro sentido para a História;
2. - MC é um dos romances de Saramago em que se colocam com maior e melhor nitidez a questão da nova complexidade do estatuto do narrador, elemento de profunda originalidade da obra deste escritor;
3. - MC é atravessado, como referimos, por uma onda de lirismo como dificilmente encontra paralelo no romance português contemporâneo, lirismo profundamente harmónico com a mente adolescente dos alunos, para a qual a entrega à Arte (Scarlatti), à Ciência (Bartolomeu de Gusmão) e ao Maravilhoso (Blimunda) são alternativas credíveis na opção pelo sentido de vida;
4. - MC ostenta uma galeria de personagens maravilhosas, singularmente diferentes da normalidade social, que encanta a mentalidade adolescente, criando-lhe um optimismo existencial, uma vontade de enfrentar a vida como raramente se encontra no romance português;
5. - MC caracteriza na figura de D. João V e dos seus áulicos alguns dos males éticos de que padece a permanente elite portuguesa: a ostentação, a vaidade, o excesso, a ambição tola por imitação de modas estrangeiras, a indiferença para com o sofrimento das populações, a antiga repressão sobre a sexualidade do corpo feminino;
6. - MC denuncia, em estilo irónico, sarcástico, até jocoso, estilo que se conforma com a mentalidade adolescente, atraindo-a, o contexto sócio-político megalómano dos costumes cortesãos do século XVIII e a mentalidade interesseira da corte, obviando a evidentes paralelismos com a actualidade;
7. - MC expõe uma amplidão lexical como raramente se assiste no actual romance português, cruzando vocabulário erudito com popular, histórico com presente, abrindo um novo horizonte no domínio plástico da língua aos alunos;
8. - MC enfatiza a necessidade de transgressão social para que a História avance, enaltecendo a capacidade de acção comandada pelo sonho, pelo visionarismo, pela vontade de criação de um futuro diferente;
9. - MC lega uma mensagem implícita, que repercute inconscientemente na mente dos alunos: a necessidade de cada um construir a sua "passarola", de possuir o seu "sonho" e a necessidade de ser diferente dos restantes para o cumprir;
10. - Finalmente, por todos estes motivos, MC é um dos raros textos da literatura portuguesa que interpenetra de um modo admirável Vida e Literatura, Arte e Cidadania, Existência e Reflexão, não raro reconciliando os estudantes com o estudo da Língua e da História.
 
(Nota: MC= Memorial do Convento)

Miguel Real, Aqui

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