18 de junho de 2010

"No dia seguinte ninguém morreu." José Saramago (1922.2010)


O ano lectivo terminou. No último post, coloquei precisamente um desenho de uma aluna com que ilustra a sua leitura de O memorial do convento.


Este é o meu modesto contributo para homenagear um homem que admiro (sobretudo o homem!!), no dia da sua morte. Cito, de memória, estas singelas, mas tão expressivas palavras que, um dia, lhe ouvi: 

"O que me faz confusão na morte, não é o deixar de ser, é o deixar de estar."

"No dia seguinte ninguém morreu." 

(José Saramago, Intermitências da morte)

31 de maio de 2010

Fim de ano lectivo, mais um ano a terminar!


Com este desenho da Rita (12º L), com que ilustro o poema de José Saramago ( e com que "ilustro", também, metaforicamente, a construção deste blogue), concluo a publicação de posts este ano lectivo! Foi difícil manter o ritmo e apresentar conteúdos que fossem originais, uma vez que há muitos estudos online. Mais uma vez, com a colaboração dos meus alunos, tentei cumprir a missão!

Que as palavras sejam, realmente, "linhas mestras" que possam abrir caminhos!! como diz o poeta. E que ajudem a construir estruturas sólidas, acrescento eu!

Da Rita, 12º L

Palma com palma,
Coração e coração, e gosto de alma
No mais fundo do corpo revelado.
Já a pele não separa, que as palavras
São espelhos rigorosos da verdade
E todas se articulam deste lado.
Linhas mestras da mão abram caminho
Onde possam caber os passos firmes
Da rainha e do rei desta cidade.

José Saramago

24 de maio de 2010

Concerto em Mafra



Eis aqui um concerto que teve lugar, ontem, dia 23 de Maio, na Basílica de Mafra, onde tocaram os seis órgãos, agora recuperados, instrumento patrimonial único.
O vídeo mostra-nos, também, os magníficos pormenores arquitectónicos deste monumento.




10 de maio de 2010

Trabalhos dos alunos



Comecei a publicar no blogue "ao lado", os trabalhos que os alunos me vão enviando sobre o Memorial do Convento. A sua consulta pode ajudar ao estudo da obra.


4 de maio de 2010

Memorial do Convento: proposta de análise, I Capítulo


Fizemos a leitura comentada, em aula, do I Capítulo do Memorial do Convento.E devemos prestar atenção ao facto de que o título remete para a classificação tipológica desta narrativa: 
  • romance  histórico, que evoca memórias desse tempo histórico passado, em que o Convento de Mafra foi mandado erigir, reinado de D. João V;
  • romance de espaço, se considerarmos que é o Convento que inspira e serve de pretexto para a elaboração desta narrativa.
Topoi (tópicos) a destacar no I Capítulo:
  • o casamento do rei com D. Maria Ana, vinda da Áustria, com o único intuito: o de assegurar a descendência e a sucessão legítima da família real portuguesa;
  • a provável esterilidade da rainha, que não engravidava.
Comentário: repare-se na ironia e na intenção crítica do narrador, heterodiegético, que numa atitude de "omnisciência", se distancia da "sua" narrativa para denunciar os valores predominantes da sociedade -- a eterna "culpa" da mulher, a sua posição passiva e receptiva perante o homem: "vaso de receber", "paciência e humildade da rainha"; em oposição, o homem é caracterizado como o elemento activo e cujo comportamento nunca é censurado: "abundam no reino bastardos da real semente", " cumpre vigorosamente o seu dever real e conjugal". 
Em suma, para que fosse celebrado o casamento entre pessoas de classe social superior (reis, nobreza) não era necessário e seria mesmo dispensável o Amor, porque este sentimento era superado por interesses de vária ordem.
  • a religiosidade fanática: os comportamentos incoerentes, as orações muitas vezes hipocritamente devotas, as promessas que só os poderosos estavam em condições de cumprir, porque eram megalómanas e muito pouco de acordo com a humildade pregada por Cristo;
  • a superstição: afectava os comportamentos quotidianos e confundia-se, frequentemente, com o culto cristão.
Exemplo: a promessa "encomendada" de mandar construir um convento em Mafra, se a rainha ficasse "prenha"; rezar antes, para o caso de morrer durante o acto sexual (eros/thanathos), para que esse "pecado" lhes fosse perdoado- concepção tradicional da culpa associada ao prazer carnal.
  • o poder libertador do sonho que ninguém controla: a rainha sonha com o cunhado depois de ter tido relações com o marido. Mas também o sonho como manifestação das pulsões mais íntimas que assolavam este ser "oprimido", a rainha (reparem na aparente contradição);
Comentário: este sonho tornar-se-ia ainda mais censurável se fosse conhecido, porque era incestuoso, "proibido", um tabu (frequentemente quebrado). O cunhado era um "irmão": "deste sonho nunca dará contas ao confessor".
  • a descrição pormenorizada do espaço físico, luxuoso e sórdido: mobiliário magnífico, mas infectado de pragas de parasitas;
  • a falta de higiene em que se vivia nessa época, mesmo as pessoas de classe social elevada.
Comentário: A rainha tinha um cobertor que tinha trazido da sua terra natal, única recordação  da infância e das suas origens, que nunca lavava, para não o "limpar" desses cheiros da memória perdida (interpretação simbólica); os percevejos que abundavam representam também, a "sujidade" que se esconde por detrás de tanto luxo e magnificência. Simbolizará, em última análise, a ameaça que espera todos os homens, mesmo os soberanos!!, de que o seu fim é igual ao de todos os outros mortais. O espaço físico assume, então, uma representatividade social e psicológica.

27 de abril de 2010

José Saramago: Discurso proferido em 1998, Prémio Nobel



De como a Personagem Foi Mestre e o Autor Seu Aprendiz

O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever. Às quatro da madrugada, quando a promessa de um novo dia ainda vinha em terras de França, levantava-se da enxerga e saía para o campo, levando ao pasto a meia dúzia de porcas de cuja fertilidade se alimentavam ele e a mulher. Viviam desta escassez os meus avós maternos, da pequena criação de porcos que, depois do desmame, eram vendidos aos vizinhos da aldeia. Azinhaga de seu nome, na província do Ribatejo. Chamavam-se Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha esses avós, e eram analfabetos um e outro. No Inverno, quando o frio da noite apertava ao ponto de a água dos cântaros gelar dentro da casa, iam buscar às pocilgas os bácoros mais débeis e levavam-nos para a sua cama. Debaixo das mantas grosseiras, o calor dos humanos livrava os animaizinhos do enregelamento e salvava-os de uma morte certa. Ainda que fossem gente de bom carácter, não era por primores de alma compassiva que os dois velhos assim procediam: o que os preocupava, sem sentimentalismos nem retóricas, era proteger o seu ganha-pão, com a naturalidade de quem, para manter a vida, não aprendeu a pensar mais do que o indispensável. Ajudei muitas vezes este meu avô Jerónimo nas suas andanças de pastor, cavei muitas vezes a terra do quintal anexo à casa e cortei lenha para o lume, muitas vezes, dando voltas e voltas à grande roda de ferro que accionava a bomba, fiz subir a água do poço comunitário e a transportei ao ombro, muitas vezes, às escondidas dos guardas das searas, fui com a minha avó, também pela madrugada, munidos de ancinho, panal e corda, a recolher nos restolhos a palha solta que depois haveria de servir para a cama do gado. E algumas vezes, em noites quentes de Verão, depois da ceia, meu avô me disse: "José, hoje vamos dormir os dois debaixo da figueira". Havia outras duas figueiras, mas aquela, certamente por ser a maior, por ser a mais antiga, por ser a de sempre, era, para toda as pessoas da casa, a figueira. Mais ou menos por antonomásia, palavra erudita que só muitos anos depois viria a conhecer e a saber o que significava... No meio da paz nocturna, entre os ramos altos da árvore, uma estrela aparecia-me, e depois, lentamente, escondia-se por trás de uma folha, e, olhando eu noutra direcção, tal como um rio correndo em silêncio pelo céu côncavo, surgia a claridade opalescente da Via Láctea, o Caminho de Santiago, como ainda lhe chamávamos na aldeia. Enquanto o sono não chegava, a noite povoava-se com as histórias e os casos que o meu avô ia contando: lendas, aparições, assombros, episódios singulares, mortes antigas, zaragatas de pau e pedra, palavras de antepassados, um incansável rumor de memórias que me mantinha desperto, ao mesmo tempo que suavemente me acalentava. Nunca pude saber se ele se calava quando se apercebia de que eu tinha adormecido, ou se continuava a falar para não deixar em meio a resposta à pergunta que invariavelmente lhe fazia nas pausas mais demoradas que ele calculadamente metia no relato: "E depois?". Talvez repetisse as histórias para si próprio, quer fosse para não as esquecer, quer fosse para as enriquecer com peripécias novas. Naquela idade minha e naquele tempo de nós todos, nem será preciso dizer que eu imaginava que o meu avô Jerónimo era senhor de toda a ciência do mundo. Quando, à primeira luz da manhã, o canto dos pássaros me despertava, ele já não estava ali, tinha saído para o campo com os seus animais, deixando-me a dormir. Então levantava-me, dobrava a manta e, descalço (na aldeia andei sempre descalço até aos 14 anos), ainda com palhas agarradas ao cabelo, passava da parte cultivada do quintal para a outra onde se encontravam as pocilgas, ao lado da casa. Minha avó, já a pé antes do meu avô, punha-me na frente uma grande tigela de café com pedaços de pão e perguntava-me se tinha dormido bem. Se eu lhe contava algum mau sonho nascido das histórias do avô, ela sempre me tranquilizava: "Não faças caso, em sonhos não há firmeza". Pensava então que a minha avó, embora fosse também uma mulher muito sábia, não alcançava as alturas do meu avô, esse que, deitado debaixo da figueira, tendo ao lado o neto José, era capaz de pôr o universo em movimento apenas com duas palavras. Foi só muitos anos depois, quando o meu avô já se tinha ido deste mundo e eu era um homem feito, que vim a compreender que a avó, afinal, também acreditava em sonhos. Outra coisa não poderia significar que, estando ela sentada, uma noite, à porta da sua pobre casa, onde então vivia sozinha, a olhar as estrelas maiores e menores por cima da sua cabeça, tivesse dito estas palavras: "O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer". Não disse medo de morrer, disse pena de morrer, como se a vida de pesado e contínuo trabalho que tinha sido a sua estivesse, naquele momento quase final, a receber a graça de uma suprema e derradeira despedida, a consolação da beleza revelada. Estava sentada à porta de uma casa como não creio que tenha havido alguma outra no mundo porque nela viveu gente capaz de dormir com porcos como se fossem os seus próprias filhos, gente que tinha pena de ir-se da vida só porque o mundo era bonito, gente, e este foi o meu avô Jerónimo, pastor e contador de histórias, que, ao pressentir que a morte o vinha buscar, foi despedir-se das árvores do seu quintal, uma por uma, abraçando-se a elas e chorando porque sabia que não as tornaria a ver.


Ler aqui todo o discurso

Por JOSÉ SARAMAGO
Estocolmo, 7 de Outubro de 1998

20 de abril de 2010

Felizmente há luar: tópicos de estudo


Para estudar para o teste, prestar atenção a:


Da web


  • tempo histórico (século XIX) e tempo da escrita (século XX);
  • tipologia das personagens, de acordo com a classe social a que pertencem: povo, nobreza e clero;
  • a denúncia dos delatores: Vicente, Andrade Corvo e Morais Sarmento;
  • o estrangeiro: Beresford e a sua visão crítica do comportamento dos portugueses;
  • a personagem "ausente", Gomes Freire e seu carácter simbólico: apesar de todas as adversidades, não desiste da luta pela liberdade;
  • as personagens femininas, sobretudo Matilde: a fidelidade aos afectos e ideais;  
  • espaço físico, apenas sugerido; espaço social caracterizado pelo carácter das personagens que o "habita";
  • estrutura externa: divisão em dois Actos; estrutura interna: a sequência da acção;
  • as didascálias: marcações, efeitos de luz, som, gestos das personagens, atribuindo-lhe um carácter quase narrativo;
  • a linguagem e estilo: marcas da linguagem oral (exclamações, interjeições, interrogações, reticências); recurso frequente à ironia; metáforas; níveis de língua diversos, de acordo com a classe social de quem intervém;
  • a simbologia do título: a renovação, a esperança na liberdade.

14 de abril de 2010

"Felizmente há luar": uma abordagem inicial


Para compreendermos o significado e a intencionalidade desta peça de teatro, escrita em meados do século XX, é necessário conhecer os acontecimentos políticos dessa época e também aqueles que servem de "cenário" à acção desta obra: Felizmente há Luar de Luís de Sttau Monteiro.

Época: 
  • Invasões Francesas, início do século XIX;
  • Portugal pede ajuda a Inglaterra e é enviado o General Beresford para ajudar a combater os franceses;
  • O rei, D. João VI, fugira para o Brasil;
  • O autor aproveita os factos históricos desta época para retratar os acontecimentos políticos do seu tempo: século XX, década de 60 (Estado Novo, ditadura salazarista).

Classificação genológica (género literário):
  • Pertence ao género dramático, uma vez que é uma peça de teatro;
  • Mas foge aos cânones da tragédia grega, onde as emoções serviam de cenário à condição humana e onde o herói era impotente para alterar a vontade arbitrária dos deuses ou do Destino( recordar o Rei Édipo);
  • Neste drama, Felizmente há luar, o homem também desafia(hybris), mas desafia o poder político, ao pôr em causa a sua legitimidade e a tirania de quem o exerce e representa. Também, por isso, a punição atingirá quem assim actua. Assim se compreende, nesta perspectiva, a inevitabilidade da condenação à morte de Gomes Freire.
  • A intenção é denunciar e fazer reflectir o público/leitores sobre as injustiças sociais e políticas, pondo em evidência estes problemas, numa perspectiva marxista; 
  • Cabe ao(s)autor(es) desempenhar(em) esse papel, através da escrita de intervenção.

12 de abril de 2010

De volta...



De volta ao trabalho, deixo-vos aqui esta proposta musical!





(«...e que o seu perfume suavize o momento.» 
                                         Ricardo Reis)

30 de março de 2010

Teatro: Rei Édipo


Teatro Nacional, D. Maria II


No dia 28 de Março, fomos assistir à última representação de O Rei Édipo.


(Quando começarmos as aulas, comentaremos as nossas impressões).


Boas Férias!

23 de março de 2010

Continua a celebrar-se a Poesia


VERSO SOLTO

Oh verso que te chamam solto,
Se solto és porque te agarras,
Te agarras nas mais firmes palavras?

O teu desejo é compor uma estrofe,
Mas se solto queres ser
Como poderás a um poema pertencer?

Quem me dera ser solto como tu
E de um poema fazer parte
E encher um coração que se reparte.

Talvez um dia deixes de ser solto
E rimes com outro verso
E nesse dia passes a ser completo.

Da Marta, 12ºB



21 de março de 2010

Dia Mundial da Poesia



-O Caderno Vazio-



Oh LETRA que estás sozinha,
Nessa primeira linha, 
Deste caderno vazio!

Agora, PALAVRA unificada,
mede apenas uma polegada, 
No meu caderno vazio

Aquela palavra já era.
Porque agora um VERSO impera.
Dentro do caderno vazio!


Continuou a aumentar
Com ESTROFES a multiplicar
A encher o caderno vazio.

Na folha foi aparecendo
Um POEMA que ia crescendo.
No caderno outrora vazio!

E assim poema acabado
O caderno tem de ser arrumado
Ao lado dos livros de Sophia,
É dia... Mundial da Poesia.

 Do João Vale, 12º B


14 de março de 2010

Fernando Pessoa, ortónimo: Fingir e Sentir


Fernando Pessoa, ortónimo:

Assim se identifica a poesia que Fernando Pessoa escreveu e que assina com o seu próprio nome. No entanto, podemos encontrar várias correntes ou tendências/ influências nesta sua poesia.


(Foto da web)

Deixo aqui a indicação de dois sites que recomendo e por onde poderão estudar:



10 de março de 2010

Álvaro de Campos: o Poeta Excessivo


Álvaro de Campos é um engenheiro de máquinas: "À dolorosa luz das lâmpadas eléctricas tenho febre e escrevo...".


 (Fotografia da Brasileira do Chiado)

1. Fase Futurista: 

Faz o elogio da civilização industrial e da técnica, das máquinas: -“Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno!”. Entra em ruptura com o lirismo tradicional  de índole subjectiva. Pretende, de um modo excessivo, fazer a exaltação das máquinas, do Futuro, da civilização moderna, porque é com ela que se  atingirá a perfeição.
E o excesso é sensacionista, excesso de sensações:
"Sentir tudo de  todas as maneiras", de tal forma sentido que conduz a uma espécie de vertigem, em que já não se distingue o sofrimento do bem estar: “Rasgar-me todo, abrir-me completamente,/ tornar-me passento/ A todos os perfumes de óleos e calores e carvões...”. (in Ode Triunfal)


2. Fase Pessimista:


Os seus poemas exprimem uma profunda abulia, um tédio, um mal-de-vivre, a que o sujeito poético chama "cansaço", um "supremíssimo cansaço" e cuja causa ele não consegue identificar: "Não disto nem daquilo,/ Nem sequer de tudo ou de nada...". Essa abulia chega mesmo a exprimir-se como náusea:- "Que náusea de vida!" (in Dactilografia).
Neste momento, vive uma espécie de caos interior, que lhe provoca um profundo sofrimento:- "A minha alma partiu-se como um vaso vazio", uma fragmentação do eu:- "Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir". (in Apontamento).
Além disso, há a expressão de uma incompatibilidade entre a sua própria realidade e a realidade dos outros:- " Não: não quero nada./ Já disse que não quero nada." (in Lisbon revisited); uma recusa em viver o quotidiano que supostamente lhe querem impor, que resulta numa solidão existencial irremediável e procurada:- " Traço sozinho, no meu cubículo de engenheiro, o plano,/ Firmo o projecto, aqui isolado.(in Dactilografia).
O seu único refúgio é a evocação de uma memória de infância, vivida ou sonhada como um tempo de felicidade irrecuperável, uma espécie de  paraíso perdido, que ele recorda com nostalgia:- "No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,/ Eu era feliz e ninguém estava morto".( in Aniversário).

Linguagem e Estilo:

Exprimem o caos interior e o excesso, através de enumerações, repetições, anáforas, onomatopeias, aliterações: "Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r eterno!" (in Ode Triunfal). Também o recurso a uma pontuação eufórica: exclamações, interrogações, apóstrofes, interjeições.
Para exprimir os seus estados de espírito "surpreendentes", usa metáforas, comparações: "Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!" (in Aniversário); para a expressão dos conflitos interiores, usa a antítese e/ou o paradoxo: "Nem sequer de tudo ou de nada:" (in Cansaço).

A forma é, igualmente, caótica: estrofes com número de versos variável, ora muito longas ora brevíssimas; os versos, do mesmo modo, têm um número variável de sílabas métricas, de acordo com o seu ritmo interior; não usa rima: verso branco.



9 de março de 2010

Ricardo Reis: o Poeta da Serenidade Racional



Ricardo Reis é o heterónimo que teve uma formação clássica  e isso reflecte-se na sua poesia, nommeadamente, através das  filosofias que procura transpor para a vida: o Estoicismo e o Hedonismo.


( serigrafia de Osório)

Os Deuses, o Destino, o Fatum (Fado) provavelmente divertem-se  com o sofrimento que o Homem  vive no seu quotidiano, até porque não lhe é concedido conhecer o futuro:  a morte nunca sabe quando  chegará.
A única maneira, estóica, que o Homem tem de se libertar destas limitações e do divertimento dos Deuses, é não criar laços afectivos: se não se ligar a ninguém, quando morrer, ninguém vai lamentar ou sofrer com a sua morte e, por outro lado, ele próprio não sofrerá com a perda de alguém. É uma imperturbabilidade de desafio ao Destino.

"Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças."

Por outro lado, adopta uma atitude filosófica epicurista: viver o momento, o presente, como  se fosse o último e o único, carpe  diem, fingindo (sempre o fingimento!!) que não se preocupa com o futuro, desfrutando dos prazeres calmos e serenos, mas intensos -"Nada se sabe, tudo se imagina./Circunda-te de rosas, ama, bebe/ E cala. O mais é nada."- desse momento irrecuperável, porque não se repetirá:

"Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa.(...)"

A linguagem e o estilo:

A linguagem e o estilo são eruditos, de acordo com as influências clássicas.
-A construção da frase é requintada, com o uso de muitas inversões da ordem das palavras na frase: anástrofes e hipérbatos: "essas volucres, amo, Lídia, rosas".
-Uma das figuras de estilo mais utilizadas é o eufemismo, porque parece que o sujeito poético quer suavizar a realidade crua: "se for sombra antes..." (=morrer).
Usa também a antítese e paradoxo: "nem cumpre o que deseja[o destino]/ nem deseja o que cumpre..."; a personificação, principalmente  relacionada com o Destino.

A forma: poemas com uma estrutura regular, estrofes com o mesmo número de versos, versos de 10/6 sílabas métricas(podem variar); não usa a rima, verso branco.-
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8 de março de 2010

Morreu Jovem...


Um breve intermezzo pessoal,
com a minha sentida homenagem e a saudade pelo Zé!(1946-2010)

(Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto
       Morre! Tudo é tão pouco!
  [...]
                                                -Ricardo Reis-)



(Desenho, Agosto de 1992)




(Excerto de um poema, no dia 21 de Julho de 1991)
.

7 de março de 2010

Alberto Caeiro: Sou um Guardador de Rebanhos

 Temática:

Poeta da Natureza e da simplicidade, é o "Mestre", porque só com simplicidade, sem filosofia e sem abstracções se pode apreender o que nos circunda. Daí que todos, inclusivamente os restantes heterónimos, devam imitar Alberto Caeiro.


 (fotografia da minha autoria, Coruche)

Apresenta-se como um "guardador de rebanhos" e o seu rebanho é as suas sensações". É com os sentidos que apreende a realidade que o circunda: - "eu não tenho filosofia: tenho sentidos..."(sensacionismo).

"Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos 
E os meus pensamentos são todos sensações. 
Penso com os olhos e com os ouvidos 
E com as mãos e os pés 
E com o nariz e a boca. "

Rejeita a filosofia, a metafísica, as ciências, em suma, tudo o que apenas serve para deturpar a realidade, a Natureza, tão simples, mas perfeita e, por isso mesmo divina (panteísmo): “Mas se Deus é as árvores e as flores/ E os montes e o luar e o sol,/ Para que lhe chamo eu Deus?”

Linguagem, estilo e forma:

A linguagem e estilo são simples, quase infantis: polissíndetos, anáforas, paralelismos;
-Uso de silogismos(para fingir que não pensa é preciso pensar...): "mas se Deus é as árvores e as plantas... porque lhe chamo eu Deus? chamo-lhe árvores...";
-Sinestesias: mistura de sensações;
-Comparações e metáforas: "Para mim pensar nisso é fechar os olhos/E não pensar. É correr as cortinas/ Da minha janela..."

As estrofes têm um número variável de versos, a métrica também é variável e não usa rima: verso branco: "Não me importo com as rimas. Raras vezes /Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra."