18 de fevereiro de 2014

As reflexões do Poeta

A armada portuguesa chegou, finalmente, a Calecute e, antes de se iniciar outra narrativa sobre as figuras das bandeiras que representam personagens históricas importantes, o sujeito poético (Camões) faz como que uma pausa para dar voz a si próprio, a reflexões e críticas de carácter social e político e confidências quase íntimas.

Canto VII

78
Um ramo na mão tinha... Mas, ó cego!
Eu, que cometo insano e temerário,
Sem vós, Ninfas do Tejo e do Mondego,
Por caminho tão árduo, longo e vário!
Vosso favor invoco, que navego
Por alto mar, com vento tão contrário,
Que, se não me ajudais, hei grande medo
Que o meu fraco batel se alague cedo.

 
Volta a pedir inspiração , tal como no Canto I, às Tágides e ninfas do Mondego, para que o ajudem no que ele apelida metaforicamente de "caminho árduo, longo e vário", contra tantos obstáculos que se levantam e que, sozinho, não tem meios de enfrentar, porque o "batel é fraco".
 
79
Olhai que há tanto tempo que, cantando                           ||| A metáfora da vida como
O vosso Tejo e os vossos Lusitanos,                                         "peregrinação".
A fortuna me traz peregrinando,
Novos trabalhos vendo, e novos danos:                             |||A conjunção coordenativa
Agora o mar, agora experimentando                                      disjuntiva: agora=ora.
Os perigos Mavórcios inumanos,
Qual Canace, que à morte se condena,
Numa mão sempre a espada, e noutra a pena.

80
Agora, com pobreza avorrecida,
Por hospícios alheios degradado;
Agora, da esperança já adquirida,
De novo, mais que nunca, derribado;
Agora às costas escapando a vida,
Que dum fio pendia tão delgado                        ||| A metáfora da "vida por um fio".
Que não menos milagre foi salvar-se
Que para o Rei Judaico acrescentar-se.

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E ainda, Ninfas minhas, não bastava                                  ||| A apóstrofe às Ninfas.
Que tamanhas misérias me cercassem,
Senão que aqueles, que eu cantando andava
Tal prémio de meus versos me tornassem:                   ||| A ironia amarga: "tal prémio".
A troco dos descansos que esperava,
Das capelas de louro que me honrassem,            ||| A antítese: "descansos"#"trabalhos".
Trabalhos nunca usados me inventaram,
Com que em tão duro estado me deitaram.


A sua vida tem sido como que uma "peregrinação", pelo mar, na guerra, mas sem desistir nunca da escrita ( "a espada e a pena").
Sempre pobre, ora arriscando a vida, ora recuperando a esperança. Mas, principalmente, a amargura de não ver a sua obra reconhecida e sentir que lhe infligiam punições, quando esperaria "capelas de louro", a recompensa e coroação devidas ao Poeta!

7 de fevereiro de 2014

Função da mitologia em Os Lusíadas

Função da mitologia em Os Lusíadas:
 
Obedece às regras da epopeia clássica: há um plano mitológico com deuses da mitologia romana, o que revela o enorme conhecimento e a profunda admiração que Camões nutria pela Antiguidade Clássica;
 
• Assegura a ação interna do poema épico ao opor deuses e humanos, possibilitando a demonstração de emoções sem por isso enfraquecer o seu poder;

Embeleza a intriga, tornando a obra mais do que um especial relato de viagem e criando um outro ponto de interesse sem  retirar  importância ao plano da narração; "enfeita", dando mais emoção à história;

• Mostra que até mesmo os deuses conseguem exprimir sentimentos como o amor, ódio, inveja e sensualidade;                                                      

Glorifica o povo português ao colocá-lo em cenários adversos criados pelos deuses, mas que, ainda assim, conseguem ser superados, criando uma comparação entre a força de ambos;

• Evidencia a grandeza dos feitos portugueses como: vencer o mar (Neptuno), ultrapassar o gigante Adamastor e vencer as guerras (Marte);

• Demonstra que os portugueses enquanto heróis são deuses, pois tornam-se  "imortais" pelos feitos praticados.
 

5 de fevereiro de 2014

Os Lusíadas, Proposição

1
As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

2
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles, que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando;
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
 
3
Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram:
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.
 
Luís de Camões, Os Lusíadas, Canto I
__________________________________________________________________________________
Esta é a Proposição, as 3 primeiras estâncias de Os Lusíadas, onde o sujeito poético apresenta, resumidamente, o assunto de todo o poema. É o seguinte:
"Cantando", isto é, usando o género épico, tentará proclamar e dar a conhecer ao mundo:
  • "as armas e os barões": as batalhas e os homens notáveis ("assinalados") que tiveram a coragem de navegar mares desconhecidos e tentar ultrapassar os seus próprios limites humanos ("mais do que prometia a força humana") para alargarem as fronteiras em locais longínquos;
  • "as memórias dos reis" que lutaram para expandir a Fé cristã em África e na Ásia;
  • a "memória" de todos os que, pelos feitos praticados, nunca mais serão esquecidos, imortalizando o seu nome e o de todos os portugueses ("libertar da lei da morte").
Assim sendo, todos os antigos poemas épicos e heróis (Ulisses, Eneias, Alexandre...) "nada" valem, porque outros heróis e outros feitos os ultrapassaram e aqueles cairão no esquecimento. Os próprios deuses se renderam aos portugueses, o que simboliza o heroísmo que manifestaram na guerra (Marte) e no mar (Neptuno).
 

4 de fevereiro de 2014

Renascimento: uma nova visão do Homem e do Mundo

O Renascimento surge em Itália, onde eram mais visíveis as marcas de uma civilização brilhante que, por todo o lado, evidenciava o esplendor da Antiguidade.
 
Florença
•apreço e admiração pela Antiguidade Clássica, mas sem entrar em rutura com a Fé Cristã;
•relevo dado ao Homem, destacando o seu poder de criação, a sua inteligência e a sua capacidade de realização individual;
•a Antiguidade torna-se um modelo a imitar: nos ideais de vida, de cultura e de civilização;
•estudo aprofundado dos seus Autores, numa procura incessante de Saber: só assim se poderia conhecer melhor o Homem e a sua natureza;
•importância dos Humanistas, uma nova aristocracia intelectual, que adotaram o latim como veículo de expressão e de comunicação.
 
Em Portugal, viveu-se uma época brilhante, no reinado de D. João III (século XVI):
 
•humanistas portugueses que ensinam nas universidades estrangeiras;
•humanistas estrangeiros que são convidados a ensinar em Portugal.

Foram estes Homens que, percorrendo toda a Europa, fizeram circular ideias e, sobretudo, dar a conhecer o «novo mundo» que os Descobrimentos desvendaram.
 

31 de janeiro de 2014

Efemérides: 31 de janeiro

O dia, em 1891, da primeira revolta republicana em Portugal, no Porto.

11º Ano

 
Teste Intermédio, dia 24 fevereiro. 
 
 
 
Para rever os conteúdos programáticos do 11º Ano:



AQUI





 

30 de janeiro de 2014

A Mensagem: História e Mito

«O mito é nada que é tudo.»
 
É com estas palavras, aparentemente paradoxais (Ulisses), que Fernando Pessoa apresenta a sua visão dos Heróis portugueses e de um Portugal, simultaneamente histórico e mítico. 
 
Um mito baseia-se numa realidade, mas constrói-se de sonhos. A quem compete concretizar esses sonhos? "preencher" de tudo o que é nada? Aos Heróis, àqueles que foram os eleitos de um Deus que "quis" que fossem os Portugueses a realizar, a cumprir esse Sonho, materializá-lo em termos de Império: "Deus quis, o Homem sonha, a Obra nasce." (O Infante).
Portugal teve uma origem mítica, os seus reis e outros heróis "limitaram-se" a cumprir a Vontade de Deus: Afonso Henriques que venceu os infiéis; D. Dinis que mandou plantar os pinhais de Leiria para que houvesse madeira para construir as naus ("o plantador de naus a haver"); D. Sebastião, que protagoniza o Sonho do Homem que ultrapassa a sua condição de "besta sadia", pela "Loucura", uma espécie de dimensão visionária do Homem. 
Os sacrifícios serão imensos: "Ó mar salgado, quanto do teu sal/ são lágrimas de Portugal" (Mar Português). Mas ninguém é Herói se não ultrapassar as "provas", os obstáculos que permitirão que, posteriormente, tal como os marinheiros de Os Lusíadas tiveram como prémio o Amor das Ninfas, obtenham, na Mensagem, a recompensa de "Os beijos merecidos da Verdade" ( Horizonte).                                                         
 
Os Portugueses foram "sagrados" por Deus e, mesmo sabendo que "o Império se desfez" (Infante), há que romper o Nevoeiro que apenas encobre o Futuro! uma perspetiva de Império, o Quinto Império, que será português, "a Distância/ Do mar ou outra, mas que seja nossa!" (Prece).
 
Alguém virá reencarnar a "loucura" de D. Sebastião, o Encoberto, o Desejado: "Quem vem viver a verdade/Que morreu D. Sebastião?" (O Quinto Império). 
E neste momento de "entristecimento", de "nevoeiro", de decadência de Portugal, há que não esquecer que, em qualquer momento, pode ser a "Hora"! (Nevoeiro).
O Sebastianismo messiânico de quem espera uma redenção futura faz-se através de um apelo profético de quem não deixa de acreditar no poder das forças ocultas do Homem Português, na sua "sagração" por Deus, na sua ânsia de "loucura"
 

28 de janeiro de 2014

A Mensagem: estrutura

A MENSAGEM
Estrutura:  divisão em três partes:
 
  • Brasão: inclui o conjunto de poemas cuja temática antecipa os feitos praticados no período dos Descobrimentos, assim como a referência aos Heróis que tornaram possível esse empreendimento
Exemplo: D. Dinis  que, ao mandar plantar o pinhal de Leiria, como que inspirado por uma vontade divina, contribuiu para que as navegações se realizassem. -“O plantador de naus a haver”.
 
  • Mar Português: inclui o conjunto de poemas que enaltece o presente das Descobertas, a realização do que já se anunciara.
Referência, por exemplo, ao Infante D. Henrique a cuja ação se deve a realização dos Descobrimentos, sob inspiração divina:- "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce."
 
  • O Encoberto: inclui o conjunto de poemas que aborda a temática da decadência de Portugal, num futuro após o desaparecimento de D. Sebastião e até ao presente da escrita. No entanto, esses poemas contêm uma mensagem de esperança e de crença numa recuperação da grandiosidade perdida e reconstituição de um Quinto Império.
Exemplo: Do poema “Nevoeiro”, estes versos que se referem à decadência de Portugal, simbolizada pelo nevoeiro, mas também a exortação a que não se desista na conquista de uma revelação futura. -“Tudo é disperso, nada é inteiro. /Ó Portugal, hoje és nevoeiro... /É a Hora!”.

27 de janeiro de 2014

A Mensagem, Fernando Pessoa: um título "iniciático"


Algarve, foto minha
«O meu livro "Mensagem" chamava-se primitivamente "Portugal". Alterei o título porque o meu velho amigo Da Cunha Dias me fez notar — a observação era por igual patriótica e publicitária — que o nome da nossa Pátria estava hoje prostituído a sapatos, como a hotéis a sua maior Dinastia.(1) «Quer V. pôr o título do seu livro em analogia com "portugalize os seus pés?"» Concordei e cedi, como concordo e cedo sempre que me falam com argumentos. Tenho prazer em ser vencido quando quem me vence é a Razão, seja quem for o seu procurador.
Pus-lhe instintivamente esse título abstracto. Substituí-o por um título concreto por uma razão...
E o curioso é que o título "Mensagem" está mais certo — àparte a razão que me levou a pô-lo — de que o título primitivo.[...]. »

(1)Hotel Bragança, apelido da família real.

(Sublinhados meus)

Sobre Portugal - Introdução ao Problema Nacional. Fernando Pessoa (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução organizada por Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1979. in http://arquivopessoa.net/

«E a nossa grande Raça partirá em busca de uma Índia nova que não existe no espaço, em naves que são construídas 'daquilo de que os sonhos são feitos'».

«[...] Somos um grande povo de heróis adiados.[...] Somos hoje um pingo de tinta seca da mão que escreveu Império da esquerda à direita da geografia. [...] O Atlântico continua no seu lugar, até simbolicamente. E há sempre Império desde que haja Imperador.»

«A base da pátria é o idioma, porque o idioma é o pensamento em acção, e o homem é um animal pensante, e a acção é a essência da vida. O idioma, por isso mesmo que é uma tradição verdadeiramente viva , a única verdadeiramente viva, concentra em si, indistintiva e naturalmente, um conjunto de tradições, de maneiras de ser e de pensar, uma história e uma lembrança, um passado morto que só nele pode reviver. Não somos irmãos, embora possamos ser amigos, dos que falam uma língua diferente, pois com isso mostram que têm uma alma diferente.»

«Para justificar a sua aspiração (de agora) a um império cultural, tem Portugal, além da tradição quebrada desse império, isto é, da indicação inicial nesse sentido, a felicidade de não ter tido até agora uma grande literatura, mas uma literatura escassa e pequena, de modo que está quase tudo por fazer nesse campo,  o que torna possível o fazer tudo, e como deve ser feito.
“Fará paz em todo o mundo”, diz o Bandarra de D. Sebastião. E a paz em todo o Mundo, só numa fraternidade por enquanto imprevisível, mas que por certo exigirá um meio de comunicação igual - uma língua

Fernando Pessoa (fragmentos por mim seleccionados)

12 de janeiro de 2014

Memorial do Convento

1. - MC apresenta uma diferença entre a representação da história visível (presente nos manuais da disciplina de História) e a desconstrução da mesma, evidenciando uma profunda reinterpretação e reflexão sobre a sociedade, forçando a necessidade de inquirição do aluno sobre um outro sentido para a História;
2. - MC é um dos romances de Saramago em que se colocam com maior e melhor nitidez a questão da nova complexidade do estatuto do narrador, elemento de profunda originalidade da obra deste escritor;
3. - MC é atravessado, como referimos, por uma onda de lirismo como dificilmente encontra paralelo no romance português contemporâneo, lirismo profundamente harmónico com a mente adolescente dos alunos, para a qual a entrega à Arte (Scarlatti), à Ciência (Bartolomeu de Gusmão) e ao Maravilhoso (Blimunda) são alternativas credíveis na opção pelo sentido de vida;
4. - MC ostenta uma galeria de personagens maravilhosas, singularmente diferentes da normalidade social, que encanta a mentalidade adolescente, criando-lhe um optimismo existencial, uma vontade de enfrentar a vida como raramente se encontra no romance português;
5. - MC caracteriza na figura de D. João V e dos seus áulicos alguns dos males éticos de que padece a permanente elite portuguesa: a ostentação, a vaidade, o excesso, a ambição tola por imitação de modas estrangeiras, a indiferença para com o sofrimento das populações, a antiga repressão sobre a sexualidade do corpo feminino;
6. - MC denuncia, em estilo irónico, sarcástico, até jocoso, estilo que se conforma com a mentalidade adolescente, atraindo-a, o contexto sócio-político megalómano dos costumes cortesãos do século XVIII e a mentalidade interesseira da corte, obviando a evidentes paralelismos com a actualidade;
7. - MC expõe uma amplidão lexical como raramente se assiste no actual romance português, cruzando vocabulário erudito com popular, histórico com presente, abrindo um novo horizonte no domínio plástico da língua aos alunos;
8. - MC enfatiza a necessidade de transgressão social para que a História avance, enaltecendo a capacidade de acção comandada pelo sonho, pelo visionarismo, pela vontade de criação de um futuro diferente;
9. - MC lega uma mensagem implícita, que repercute inconscientemente na mente dos alunos: a necessidade de cada um construir a sua "passarola", de possuir o seu "sonho" e a necessidade de ser diferente dos restantes para o cumprir;
10. - Finalmente, por todos estes motivos, MC é um dos raros textos da literatura portuguesa que interpenetra de um modo admirável Vida e Literatura, Arte e Cidadania, Existência e Reflexão, não raro reconciliando os estudantes com o estudo da Língua e da História.
 
(Nota: MC= Memorial do Convento)

Miguel Real, Aqui

Os Dias De... Todos os Dias.